Pesquisadores do Instituto Butantã e da Universidade de São Paulo (USP) desenvolveram uma vacina para hepatite B que pode ser consumida por via oral. Os testes em humanos devem começar no próximo ano. A grande esperança é que a tecnologia também funcione com outras vacinas que, por enquanto, só são administradas por injeção.
— Seria uma verdadeira revolução. A cobertura vacinal aumentaria muito, especialmente nos lugares mais pobres e distantes onde é difícil chegar com um profissional de saúde — afirma o pesquisador Osvaldo Augusto Sant'Anna, do Instituto Butantã, órgão ligado à Secretaria de Estado da Saúde.
Ele recorda o impacto da vacina Sabin, de administração oral, na erradicação da poliomielite.
— Poderíamos repetir o mesmo feito com outras doenças — pondera o cientista, que coordena o Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Toxinas.
Como é a vacina
Sant'Anna orgulha-se da simplicidade da ideia que inspirou a nova vacina: utilizar nanotubos de sílica para "proteger" os antígenos (responsáveis pela imunização) do suco gástrico e garantir a eficácia do produto.
A pesquisadora Marcia Fantini, do Laboratório de Cristalografia do Instituto de Física da USP, prepara os nanotubos de sílica que o cientista do Butantã utiliza nos testes com camundongos. A pesquisadora utiliza a nanotecnologia, estudo da manipulação dos materiais na escala molecular. Os nanotubos utilizados na vacina, por exemplo, têm um diâmetro de oito nanômetros. Cada unidade equivale à bilionésima parte de um metro.
Marcia recorda que a ideia de trabalharem juntos surgiu de diálogos no ônibus fretado que ia de Campinas para São Paulo, em 2001. Por coincidência, os dois pesquisadores viajavam no ônibus com alguma frequência.
— Outros países, como Estados Unidos e China, também pesquisam aplicações médicas para nanotubos de sílica, mas nós fomos os primeiros a patentear o uso dessas estruturas na imunologia — conta Marcia.
Investimento em pesquisa
Em 2005, Sant'Anna apresentou resultados preliminares do estudo em um simpósio dentro do Instituto Butantã. A farmacologista Regina Scivoleto, que se aposentara da USP, estava na plateia.
Ao deixar a universidade, Regina tinha uma clara ideia do abismo que separa a pesquisa do desenvolvimento de produtos no País. Por isso, decidiu tornar-se alguém que identifica oportunidades e constrói pontes entre a pesquisa na academia e a indústria. Conversou com o pesquisador do Butantã no fim da palestra e se comprometeu a colocá-lo em contato com o Laboratório Cristália.
O presidente do Cristália, Ogari Pacheco, afirma que a empresa já investiu R$ 30 milhões na pesquisa.
— Temos uma particularidade. Além de financiar a pesquisa, também oferecemos conhecimento. Temos pesquisadores da empresa que participam das discussões e do desenvolvimento do produto — afirma o empresário, que também é médico.
Ele ri ao relatar a surpresa do pesquisador do Butantã quando soube que a empresa financiaria o projeto:
— Ele me disse: 'você é um ET', já tinha batido em outras portas antes, sem resultado. Foi o melhor elogio que já recebi até hoje.
Pacheco afirma que já começaram as pesquisas para utilizar a tecnologia em vacinas para outras doenças.
A sílica é um dos compostos mais abundantes da crosta terrestre. Formada pela união do oxigênio e do silício, é usada na fabricação do vidro. Em estudo publicado em 2006 na revista Small, os cientistas já haviam comprovado que a sílica nanoestruturada atuava, em camundongos, como um vigoroso adjuvante — substância que acompanha a vacina para amplificar a resposta do sistema imunológico e, consequentemente, a proteção.