A compilação de preços é elaborada pelo Milk Point
Em tempos de alta dos preços dos lácteos no mundo, o Brasil tornou-se o país com o
maior valor em dólar pago ao produtor de leite. À primeira vista, esse poderia ser um
motivo de comemoração pelos produtores brasileiros. No entanto, o preço mais alto
no país é resultado, em grande parte, da ineficiência no campo, dos custos logísticos
elevados e do câmbio valorizado.
É lógico que os preços internacionais em ascensão, uma decorrência da seca na Nova
Zelândia - o maior exportador mundial de lácteos -, também exerce influência. O
preço mais alto tem outro aspecto negativo: significa menor competitividade do leite
brasileiro no mercado internacional, o que torna a balança de lácteos nacional deficitária.
Compilação de preços elaborada pelo Milkpoint, consultoria especializada em lácteos,
mostra que, em março passado, o produtor brasileiro recebeu US$ 0,4621 pelo quilo
do leite, mais do que todos os outros grandes produtores, como Nova Zelândia,
Estados Unidos, Argentina, Uruguai e Europa. Os dados do Brasil são do
Cepea e os demais foram levantados pela consultoria italiana CLAL, especializada em
mercado de lácteos.
Um dos principais fatores que encarecem o leite brasileiro quando comparado ao de
outros países produtores é a baixa produtividade dos animais em lactação. No Brasil, o
rendimento é de apenas aproximadamente 4 litros de leite por animal/dia, ante cerca
de 30 litros por dia nos EUA, 22 litros na Europa, 18 litros na Argentina e 15 litros na
Nova Zelândia.
O presidente da Leite Brasil, Jorge Rubez, aponta a falta de especialização do rebanho
como causa do baixo rendimento médio da atividade no país. "Cerca de 70% do
rebanho é não especializado. É uma mistura de tatu com cobra", brinca o dirigente. Ele
afirma que, nas fazendas de leite em que o rebanho é especializado, a produtividade
dos animais é semelhante à obtida nos Estados Unidos, por exemplo. Entenda-se por
"rebanho especializado" para a produção leiteira bovinos das raças holandesa,
girolando, jersey e pardo-suíça.
Para calcular a produtividade média, o IBGE divide a produção de leite pelo número de
animais em lactação. Os últimos dados disponíveis, de 2011, mostram uma produção
leiteira de 32,09 bilhões de litros para 23,23 milhões de vacas em lactação. Entre esses
milhões de animais em lactação, muitos são vacas de raças de corte, não destinadas
originalmente à produção de leite, portanto com baixa produtividade.
O presidente da Leite Brasil, entidade que reúne produtores, defende aportes em
genética e tecnologia para mudar esse quadro de baixo rendimento na pecuária
leiteira do país. A falta de especialização do rebanho também ocorre porque, muitas
vezes, a pecuária leiteira não é a atividade principal e não é feita de forma profissional,
acrescenta Laércio Barbosa, diretor do Laticínios Jussara.
Na avaliação de Marcelo Pereira de Carvalho, analista do Milkpoint, o modelo de
pequeno produtor de leite, que predomina no Brasil, "não é sustentável". Assim como
Rubez, ele defende investimentos em tecnologia e na gestão das propriedades com
vistas à profissionalização e o modelo de clusters para produção de leite. "Por que não
somos competitivos no leite se somos em outras áreas e temos disponibilidade de
capim, grãos e água?", questiona.
Outra fragilidade brasileira em relação aos demais países produtores são os custos
logísticos mais elevados, já que os laticínios podem estar distantes das fazendas
fornecedoras de leite. "É o custo Brasil. O frete é caro, a alimentação [dos animais] é
dolarizada", diz Barbosa.
As vicissitudes não param por aí. No Brasil, o custo de manejo acaba sendo superior
por conta da mão de obra. Além de maior mecanização, na Nova Zelândia e na Europa,
por exemplo, é basicamente a família que trabalha na propriedade produtora de leite,
lembra o empresário.
"Temos um problema de base produtiva", diz Marcelo de Carvalho, do Milkpoint. Ele
afirma que o custo de produção do leite no Brasil subiu mais que em outros
produtores em decorrência de maiores custos com salários, perdas de vagas na zona
rural e alta dos preços da terra por conta da disputa com a cana e os grãos.
Carvalho observa que a avaliação sobre a competitividade da produção não pode levar
em conta apenas o volume de leite produzido diariamente pelos animais. A Nova
Zelândia, com produção total de 19,7 bilhões de litros no ano passado, tem
rendimento por animal menor que Estados Unidos e Argentina, mas o leite que produz
tem teores de gordura e proteína mais altos - é "um leite mais rico", afirma.
Comparando-se com o Brasil, que tem produtividade por animal menor, a vantagem
neozelandesa é ainda superior.
O analista acrescenta que nem sempre a maior produtividade por vaca significa custos
mais baixos ou maior rentabilidade. "Isso depende do sistema de produção. O exemplo
mais evidente é a Nova Zelândia, que mesmo com produção por vaca menor, tem
custo mais baixo do que os EUA e tem quase 40% do mercado de exportação", diz
Carvalho. O que permite os custos mais baixos é o sistema de produção do país da
Oceania, onde os animais são criados a pasto, com forragens de alta qualidade. Já nos
EUA, que produziram 90 bilhões de litros de leite em 2012, os animais são confinados e
recebem alta suplementação alimentar.
Não bastasse a ineficiência no campo, no ano passado, os produtores de leite sofreram
ainda com a alta dos custos de grãos, usados na alimentação do rebanho leiteiro. Os
custos mais altos dificultaram a expansão da produção, avalia Rafael Ribeiro, da Scot
Consultoria. Estimativas indicam que a produção total de leite no país ficou entre
32,42 bilhões e 32,5 bilhões em 2012, crescimento de apenas 1% sobre 2011.
E, diante da baixa competitividade ante os concorrentes no mercado internacional, o
Brasil continua a ampliar as importações de lácteos, deixando para trás a pretensão de
se tornar um exportador de peso, cenário que parecia quase realidade há alguns anos.
Em 2012, as importações de lácteos subiram 3,6%, para US$ 638 milhões, segundo o
Ministério da Agricultura. O déficit na balança do segmento também cresceu: quase
5%, para US$ 518,6 milhões.
Fonte: Valor Econômico
Postado: Leomar Martinelli
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