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Saúde - 18/02/2018 - Os mitos e verdades da Febre Amarela


Doença ainda provoca dúvidas em grande parte da população

A febre amarela ainda é uma incógnita para muitos brasileiros. Quando os surtos da doença em estados da Região Sudeste do Brasil, como São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais, começaram a ser noticiados, os postos de saúde ficaram lotados e com filas intermináveis, mesmo em regiões sem casos confirmados da doença. Teve quem ficou revoltado com a falta de vacina ou também amedrontado com a possibilidade de contrair o vírus. Porém, muitos tópicos devem ser esclarecidos quando o assunto é febre amarela. Conforme o Ministério da Saúde, não há um único fator para explicar a dispersão da febre amarela silvestre. “O Brasil possui ecossistemas favoráveis à transmissão da doença (pelo clima, pela presença do vetor e de corredores ecológicos que facilitam a transmissão), assim, o aumento do número de casos ocorre de forma sazonal, com influência de fatores ambientais e ecológicos. Entre as hipóteses estão o aquecimento global, o avanço de habitações e áreas urbanas próximas da mata, desmatamento florestal, entre outros”, detalhou por meio de nota. 

A incidência da doença, ao longo dos anos, apresenta ciclos de surtos – geralmente entre dezembro e maio, período com elevadas temperaturas, chuvas e maior número de vetores –, como aconteceu em 2017. Entre julho de 2016 e junho de 2017, foram confirmados 779 casos e 262 mortes pela febre amarela no país. Conforme o Ministério da Saúde, não há casos registrados de febre amarela urbana no Brasil desde 1942, quando ocorreu no Acre. Mas, afinal, qual a diferença entre a febre amarela urbana e a febre amarela silvestre? 

Conforme o médico infectologista do Hospital Moinhos de Vento Paulo Ernesto Gewehr Filho, a diferença está no ciclo de transmissão, pois a doença é a mesma. “Na silvestre, os transmissores são os mosquitos da mata, dos gêneros Haemagogus e Sabethes. Na urbana, o mosquito é o Aedes aegypti, o mesmo que transmite dengue, zika e chikungunya”, explicou. A facilidade da transmissão no ciclo urbano, conforme o infectologista, pode aumentar muito o número de casos devido à alta presença do Aedes nas metrópoles brasileiras. “Por isso as autoridades em São Paulo e Minas Gerais, quando identificaram a morte de macacos nos parques, imediatamente começaram a fazer a vacinação em toda a região”, ressaltou. Não há transmissão direta de pessoa a pessoa. 

Mesmo que alguns casos tenham sido registrados dentro de cidades e que a tendência seja indicar a doença como sendo urbana, na verdade ela foi contraída por quem reside, frequenta ou esteve em ambientes de mata. “Dentro de parques, onde há a presença do mosquito selvagem, é possível contrair a doença, mas pessoas contaminadas com o vírus que moram em cidades estão muito próximas do Aedes, por isso é preciso ter cuidado”, indicou. 

Para o infectologista é necessário redobrar a atenção para os surtos que estão ocorrendo e ampliar a cobertura vacinal para evitar que a febre amarela se urbanize novamente. Por exemplo, se uma pessoa visita um ambiente silvestre, é picada pelo mosquito selvagem e retorna ao município de origem, em um ambiente urbano, o vírus começa a se multiplicar no organismo. “Se esta pessoa for picada pelo Aedes, ele ficará contaminado pelo vírus. Desta forma, o agente transmissor é o humano”, ressaltou. 

Mais uma dúvida frequente, além da diferença dos ciclos urbano e silvestre da doença, está ligada à relação dos macacos com a febre amarela. Muitos animais chegaram a ser mortos.

Segundo a pesquisadora e coordenadora do Centro de Informação em Saúde Silvestre da Fiocruz, Márcia Chame, macacos adoecem e morrem de febre amarela antes dos seres humanos e por isso indicam onde a doença está circulando. “Qualquer pessoa pode ajudar a monitorar a febre amarela e doenças de animais silvestres. Ao ver um macaco morto ou doente, avise a secretaria de saúde do seu município”, explicou. Conforme Márcia, a informação em tempo real ajudará a fazer ações de prevenção em saúde e a conservação da biodiversidade. 

Os macacos, conforme Gewehr Filho, são marcadores da doença. “Sempre que houver morte de um Primata Não Humano (PNH) precisamos investigar se a causa foi a febre amarela. Pode ser a primeira pista de que o vírus está circulando em determinada região. Não adianta atacar macacos, isso é questão de desinformação e medo”, enfatizou. Segundo Gewehr Filho, o macaco é o primeiro a morrer, pois o sistema imunológico do animal é muito frágil para o vírus. 

Segundo a Sociedade Brasileira de Primatologia (SBPr), o Brasil vive um dos períodos de maior mortandade de primatas da história devido à febre amarela silvestre no país. O quadro pode levar à extinção de espécies, prejudicando todo o meio ambiente. Os macacos são sensíveis ao vírus da febre amarela e a morte dos animais pela doença é um alerta aos órgãos de saúde sobre a necessidade de vacinação da população humana nos arredores. Ou seja, eles permitem aos gestores de saúde implementar estratégias preventivas, antes de o vírus atingir populações humana. Os primatas são tão vítimas da doença quanto os humanos, não a transmissão diretamente.

 

Vacinação

A vacinação contra febre amarela, segundo o Ministério da Saúde, é a medida mais importante e eficaz para prevenção e controle da doença e protege a pessoa da contaminação durante a vida inteira. Mas quem precisa fazer a vacina? Existe um mapa desenvolvido pelo Ministério da Saúde onde estão elencados os locais de risco. No Brasil, os principais estados são Minas Gerais, São Paulo, Rio de Janeiro e Espírito Santo. As regiões já eram consideradas áreas de risco antes mesmo do último surto, que teve início em 2017. A seleção das regiões leva em conta diversos fatores, entre eles o registro de casos de febre amarela em humanos ou em macacos e ainda regiões que ficam próximas de outras áreas que têm ou tiveram casos de febre amarela. 

Outro fator importante, conforme Gewehr Filho, é a questão histórica. “Não basta eu olhar para o ano passado e o retrasado e ver que determinadas regiões não têm casos de febre amarela. Não tem como predizer como será a dinâmica da doença no futuro. Daqui a pouco um estado teve surto da doença há 10 anos, foi controlado, mas continua com risco de retornar, porque tem mata, macacos ou porque há muita mobilidade entre os moradores”, explicou. 

Durante o surto de qualquer doença, o ideal é verificar se a região para onde a pessoa vai se deslocar apresenta ou não risco de contaminação para, então, fazer a vacina antes mesmo de viajar. Se uma pessoa fizer a vacina por conta de uma viagem que será realizada para uma área de risco, Gewehr esclarece que é preciso fazer com pelo menos um mês ou um mês e meio de antecedência. “Nós vemos orientações de que é necessário se vacinar dez dias antes de entrar numa área de risco, mas este é o período mínimo”, ressaltou. O ideal, conforme ele, é que a pessoa faça a vacina o quanto antes. “Assim é possível observar se ocorrerá uma reação adversa ou não, além de garantir a imunização”, destacou.

Para quem pretende tomar as vacinas Tríplice Viral e Tetra Viral, há uma contraindicação. Até os 2 anos de idade, estas duas vacinas não podem ser aplicadas juntamente com a vacina da febre amarela. Isto porque a eficácia das vacinas diminui. “Recomendamos que sejam feitas num intervalo de 30 dias, antes ou depois”, ressaltou Gewehr Filho. Em relação à eficácia da vacina, a possibilidade de ela não proteger contra o vírus é de 0,01%. Ou seja, em 99,9% dos casos, quem se vacinar, ficará protegido. 

O Instituto Tecnológico em Imunobiológicos (Bio-Manguinhos/Fiocruz), vinculado ao Ministério da Saúde, é o maior produtor mundial da vacina contra a febre amarela. É também o principal fornecedor de vacinas do Ministé- rio da Saúde e sua produção é feita a partir da previsão anual do Programa Nacional de Imunizações (PNI). Em situações de rotina, a produção mensal da vacina de febre amarela em BioManguinhos é de 4 milhões de doses. Em função do aumento da demanda e da priorização por este insumo, em 2017, a produção chegou ao recorde de 64 milhões. Para 2018, o PNI solicitou para a Fiocruz 48,3 milhões de doses da vacina contra a febre amarela.

 

Situações nas quais a vacina não é recomendada

Bebês com menos de 9 meses de vida 

Gestantes e lactante

Pessoas com alergias graves à proteína do ovo

Pessoas com imunodeficiência grave por HIV/AIDS sintomática ou outras causas ou que tenham um problema de timo 

Idosos a partir de 60 anos

Pacientes com câncer e/ou quimioterapia ou radioterapia

Pacientes com imunodepressão de qualquer natureza 

Pacientes infectados pelo HIV com imunossupressão grave

 

Vacina fracionada

Segundo a Fundação Oswaldo Cruz, a campanha de fracionamento da vacina contra a febre amarela começou em 25 de janeiro nos estados de São Paulo e Rio de Janeiro. Esta é a primeira vez que a dose fracionada é ofertada no Brasil. A adoção do fracionamento das vacinas é uma medida preventiva e recomendada pela Organização Mundial de Saúde (OMS) quando há aumento de epizootias (doença que ocorre em uma população animal, semelhante a uma epidemia em seres humanos) e casos de febre amarela silvestre de forma intensa, com risco de expansão da doença em cidades com elevado índice populacional. A dose fracionada tem apresentado a mesma proteção que a dose padrão. Estudos em andamento já demonstraram proteção por pelo menos oito anos e novas pesquisas continuarão a avaliar a proteção posterior a esse período. Conforme o médico infectologista Gewehr Filho, até o momento o Ministério da Saúde não publicou resultados dos estudos que apontam a validade da dose fracionada por oito anos. “Até o momento, a orientação é que devemos trabalhar com a durabilidade de dois anos da dose fracionada”, explicou. 

O fracionamento foi necessário por conta do surto que se apresentou naquelas regiões e diante da quantidade de população. “Com base no estoque da vacina, que é limitado por conta da capacidade de produção, se optou pelo fracionamento.” A dose inteira, de 0,5 ml, foi fracionada em 5 doses de 0,1 ml. “É uma solução logística porque é preciso conter a disseminação da doença, então se utiliza essa estratégia de fracionamento para lidar com o estoque limitado”, disse. 

Alguns públicos não são indicados para receber a dose fracionada, portanto irão participar da campanha recebendo a dose padrão: crianças de 9 meses a menores de 2 anos, pessoas com condições clínicas especiais (vivendo com HIV/Aids, ao final do tratamento de quimioterapia, pacientes com doenças hematológicas, entre outras), gestantes e viajantes internacionais (devem apresentar comprovante de viagem no ato da vacinação). A vacinação fracionada é recomendada para pessoas a partir dos 2 anos de idade. O público vacinado com a dose fracionada da vacina de febre amarela deverá retornar aos serviços de saúde após oito anos para receber uma dose de reforço. O Ministério da Saúde continuará realizando estudos na área para atualizar a validade da vacina fracionada.

 

Para quem não lembra se fez a vacina

De acordo com Gewehr Filho, se a pessoa não lembra se fez a vacina da febre amarela ou não consegue encontrar a carteirinha de vacinação, a orientação do Ministério da Saúde é que vacina dada é vacina registrada no documento de vacinação. “É muito frequente adultos ou idosos terem perdido a carteira de vacinação, então a primeira orientação é tentar resgatar este registro e, se não for possí- vel, a indicação que a pessoa faça a vacina novamente”, ressaltou. 

Segundo o chefe de equipe de vigilância de doenças transmissíveis da Secretaria Municipal de Saúde (SMS) de Porto Alegre, Benjamin Roitman, essa é uma das dúvidas mais comuns em relação à imunização. Ele explicou que, com a atualização mundial, ficou definido que a vacinação é única. A exceção refere-se ao modelo fracionado que está sendo adotado em alguns estados brasileiros. “Quem já recebeu a vacina não precisa se preocupar porque a imunização segue valendo”, esclareceu. Também não há necessidade de tomar a vacina neste momento em que a procura é intensa nos postos. Roitman destacou que, como não há a circulação da doença no Estado e na Região Sul, a recomendação é apenas para aqueles que vão viajar para os estados que têm alerta (São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais) ou países que exigem. Assim, é importante o alerta ainda para quem tenha viajado para esses estados, especialmente em áreas de mata, e apresente sintomas.

 

 Instruções para quem vai viajar

As pessoas que forem viajar para locais com transmissão de febre amarela silvestre no Brasil (regiões Sudeste e parte do Nordeste) ou para países com exigência do Certificado Internacional de Vacinação ou Profilaxia (CIVP) contra febre amarela devem fazer a vacina com, no mínimo, dez dias de antecedência da data da viagem. Para o Brasil, o certificado não é necessário. No site da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) é possível consultar se o país de destino do viajante exige o certificado. Técnicos da Anvisa solicitam que a consulta prévia seja feita no site e seja observada se o país recomenda ou exige a vacina, já que viajante só é barrado na imigração dos países-destino onde a “exigência” é expressa. No mundo, 131 países exigem o documento. 

Desde 17 de julho do ano passado, o CIVP apenas é emitido para requerentes que comprovarem que viajarão ou realizarão conexão em algum dos paí- ses que exigem o documento. Quem for viajar deve fazer a vacina e ir até um posto da Anvisa. 

Em Porto Alegre, a unidade está localizada no segundo andar do Aeroporto Internacional Salgado Filho. Para receber o atendimento, o viajante deverá ter realizado um pré-cadastro e agendamento prévio nesta página. 

Os endereços dos demais centros de atendimento também podem ser consultados no site da Anvisa. O documento é emitido na hora. Profissionais da saúde indicam que o passageiro deixe o CIVP junto com o passaporte e também providencie uma fotografia do documento para estar sempre à mão no celular

 

Os riscos de se viajar sem o certificado de vacinação:

1. Ao chegar no país de destino, a pessoa poderá ser informada de que deve voltar ao país de origem no próprio avião que veio, como se fosse uma “deportação”;

2. O passageiro pode ser colocado em uma quarentena assistida e ter que assinar documento se comprometendo em procurar uma unidade de saúde se identificar algum dos sintomas; 

3. Se a companhia aérea for orientada pela Anvisa, o que já está ocorrendo, a pessoa deverá apresentar o CIVP no embarque e, se não estiver com o documento, não poderá embarcar.

Mesmo que o país de destino não exija o CIVP, é preciso que a pessoa preste atenção nas escalas que poderá fazer durante a viagem. “Se por acaso o país onde a ponte aérea será feita tem possibilidade de transmissão, é arriscado”, disse o infectologista do Hospital Moinhos de Vento Paulo Ernesto Gewehr Filho. Geralmente, se a escala dura menos de 12 horas, o passageiro não precisa apresentar o CIVP mas, se o tempo for superior, o documento será necessário.

 

Fonte / Foto: Correio do Povo

Postado: Clécio Marcos Bender Ruver
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