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Saúde - 07/02/2019 - Conselho Federal abre o diálogo sobre telemedicina


CFM estipula prazo de 60 dias para rediscutir e aprimorar a resolução

Depois de um levante de entidades médicas de todo o país, o Conselho Federal de Medicina (CFM) anunciou nesta quarta-feira (7) que abrirá um prazo de 60 dias para rediscutir e aprimorar a resolução que libera consultas, diagnósticos e outros procedimentos médicos a distância – via internet, por exemplo. O recuo foi tornado público horas antes de o CFM abrir, em Brasília, um fórum sobre telemedicina para o qual estava prevista a apresentação oficial da nova regulamentação.

As primeiras informações sobre a resolução vieram a público no início da semana, apanhando de surpresa a classe médica. Soube-se que o CFM estava para publicar normas que permitiriam atender pacientes por Skype ou operá-los a distância, por robôs. Entidades do Rio Grande do Sul estiveram entre as primeiras a reagir. Na tarde de segunda-feira, dirigentes do Conselho Regional de Medicina (Cremers), da Associação Médica (Amrigs) e do Sindicato Médico (Simers) reuniram-se para discutir o assunto e tiraram uma nota conjunta. 

As instituições acusaram o CFM de ter elaborado a resolução de forma antidemocrática, sem consulta à classe médica, e afirmaram ter inúmeras críticas ao teor do documento, que colocaria em risco a saúde da população. A reivindicação era de que se suspendesse a publicação. Em outros Estados, iniciativas semelhantes se multiplicaram.

Apesar das críticas e do descontentamento, o CFM publicou a resolução na quarta-feira, no Diário Oficial da União, estabelecendo um prazo de três meses para a entrada em vigor. No mesmo dia, em resposta a um pedido de informações feito por GaúchaZH, afirmou que não suspenderia as novas regras, acrescentando que elas eram resultado de dois anos de discussões. 

Naquele momento, no entanto, as pressões começavam a fazer efeito. Por coincidência, ocorria em Brasília, na quarta-feira, a reunião mensal entre o CFM e os presidentes dos conselhos regionais de medicina. As representações estaduais aproveitaram o encontro para colocar o órgão nacional contra a parede. Ao longo do dia, o CFM concordou em abrir o prazo de 60 dias para contribuições que deverão levar a mudanças no texto original – embora não tenha suspendido a publicação da resolução.

Em nota, o conselho federal afirmou que "concordou em receber dos CRMs, entidades médicas e da categoria propostas para o aperfeiçoamento da norma" e que essas propostas "serão analisadas e poderão ser implementadas, após deliberação do plenário". A entidade informou ainda que divulgará, nesta semana, detalhes sobre como será conduzida a consulta pública, mas os órgãos regionais já estão mobilizados para fazer discussões regionais e elaborar documentos com suas sugestões.

 

Entrevista com Eduardo Trindade, presidente do Cremers

O presidente do Cremers, Eduardo Trindade, participou na quarta-feira da reunião em que os presidentes dos 27 conselhos regionais de medicina fizeram o CFM aceitar a rediscussão das normas para a telemedicina. Na entrevista a seguir, ele revela como foi a mobilização, explica o que deve acontecer daqui para a frente e convoca a população gaúcha a apresentar sugestões para mudar o texto original.

O senhor ficou satisfeito com a decisão do CFM de rediscutir a resolução sobre telemedicina?

Sim. Na verdade, foi um pedido capitaneado pelo Rio Grande do Sul. Foi o Cremers que levantou essa bandeira, para haver tempo de discutir o assunto. Já havia essa reunião agendada para ontem (quarta-feira), a reunião mensal entre a direção do CFM e os presidentes dos conselhos regionais. Havia outros assuntos em pauta, mas o tema foi praticamente só essa questão da telemedicina, que é algo que vai modificar a medicina como a gente conhece. Então, precisamos ter muito cuidado. 

Nessa reunião, houve uma espécie de levante dos conselhos regionais de medicina?

Teve um levante. Queremos essa resolução de outra forma, discutindo muito melhor, com o foco na relação médico-paciente. Ninguém é contrário às inovações tecnológicas e a sua incorporação à medicina, mas defendemos que a tecnologia tem de ser uma ferramenta para melhorar o atendimento. Não pode ser um fim em si, como estava se estabelecendo.

Houve unanimidade dos 27 conselhos regionais contra a resolução?

Não houve uma votação, mas todos os conselhos apoiaram a decisão de adiar e de fazer discussões regionais para definir melhor como vai ser.

Durante a própria reunião, o CFM já aceitou rediscutir a resolução?

Sim. Durante a reunião, a diretoria de CFM se reuniu e deu um prazo para discussão, primeiro de 45 dias, depois passaram para 60 dias. Isso aconteceu tudo durante a reunião, que começou às 10h e se encerrou às 17h. Foi um dia inteiro de discussão.

O prazo de 60 dias é satisfatório?

Foi feita uma ressalva, que se fez constar em ata, de que esse prazo pode ser aumentado, se necessário. Os 60 dias são um prazo um pouco exíguo para se reunir e discutir todos esses temas. Já fizemos contatos com os conselhos regionais de São Paulo e do Rio de Janeiro para capitanearmos a coleta de informações e irmos com propostas concretas ao CFM. Fizemos essa articulação para ser uma ação conjunta, para ter um padrão. Não está decidido se vai ser um documento único de todos os Cremers. Provavelmente, cada um vai apresentar o seu. 

Como seria a sistemática para a discussão?

Todos os Estados vão se reunir internamente. Nós já entramos em contato no Rio Grande do Sul com sindicatos médicos e associações médicas, para começar as reuniões na semana que vem, coletar informações e fazer as nossas sugestões. Cada conselho regional vai fazer sua discussão local para apresentar sugestões. A resolução não foi revogada, o que era um pedido nosso, mas fizemos constar em ata que o CFM estará aberto a sugestões para modificar o texto. São necessárias profundas modificações no texto. O Cremers inclusive se coloca à disposição para que toda a população encaminhe suas sugestões por meio das nossas redes sociais e do nosso site. Estamos abrindo isso para toda a população. As tecnologias não podem colocar em risco o paciente.

O que mais preocupa na resolução é o risco à proximidade médico-paciente?

Isso. Não queremos ser reféns de uma nova estrutura que vai surgir entre o médico e o paciente. Pela resolução, o médico não incorpora a tecnologia, ele acaba virando refém de um sistema. O paciente deixa de ser do médico e passa a ser da tecnologia. Por exemplo, eu entro num sistema X, no Medscape, para pegar um nome fictício. Então eu entro nesse Medscape e alguém me atende. 

O temor seria o surgimento de plataformas que tornassem toda a medicina virtual?

Sim, uma situação em que o médico não tem mais contato com o paciente, em que a relação é impessoal. Queremos que se estabeleçam bem os casos em que a telemedicina pode ser empregada. Precisamos resguardar o exame físico, a relação médico-paciente seriada, em que não apareça cada vez um médico diferente na tela. Como estava colocado, havia margem para essa situação.

 

Fonte: ZH

Postado: Clécio Marcos Bender Ruver
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